
Eu nunca tive problemas em perdoar as pessoas, até que algo aconteceu que me feriu profundamente – de um jeito tão inexplicável que não convém tentar dizer.
Eu não sou exatamente rancorosa, e já passei por coisas desnecessárias por esquecer muito facilmente. Mas o perdão de leite condensado é o mais fácil. Esse, eu tiro de letra. Como quando tenho uma discussão com minha mãe, e meia-hora depois estamos assistindo TV e rindo juntas, como se nada tivesse acontecido. Ou quando sinto um comentário mal intencionado vindo em minha direção, mas abstraio tão logo conto até dez. Esse perdão veio no meu pacote, e graças à ele eu consegui passar por algumas situações com a cabeça erguida – e conquistar algumas coisas boas no final, ou ao menos, tirar uma lição daquilo. Noutras vezes, me faltou honestidade sentimental pra perceber que perdoar tantas vezes pode ser como uma pequena tortura diária, permitindo-me desprazeres (como um calo no pé: pequeno, mas que machuca) desnecessários. Por bem ou por mal, esse tipo de perdão estou aprendendo a controlar. Há uma linha tênue entre desculpar e fingir que não viu, e desculpar e fechar a porta àquilo que faz mal. É preciso saber quando cada um convém.
O que é difícil, pra mim, é aquele perdão intenso, aquele perdão que nasce sangrando, aquele perdão que, se não conhece a luz, se espreme solitário, num canto, definha asfixiado, encostado na parede, morre anoréxico, pálido, quieto e silencioso. Esse perdão é doloroso. Porque, de certa forma, ele ilumina cantos obscuros da gente e nos obriga a enxergar o que havia ali. Ele faz necessária a vistoria em alguns episódios que nos marcaram. Como aquelas cartas velhas que esquecemos na gaveta da estante, displicentemente, com a intenção de não mais encontrar. Como aquela flor recebida em uma festa, da pessoa que você nem quer mais lembrar, e que foi amontoada num álbum de fotos jogado por aí. São fantasmas do passado que só podem nos abandonar se encararmos de frente, com as duas mãos e o sentimento do mundo que o poeta reconheceu. Nus, esquálidos, cheios de raiva, noutras vezes angústia, ou rancor, ou um complacente desejo por vingança, não importa – apenas nós e nossos sentimentos, bons ou ruins, numa luta com o fantasma que nos segue.
Perdoar de verdade deve ser como arrancar a casca de uma ferida. Necessário para agilizar a cicatrização. Necessário para que possamos seguir nossos caminhos de uma forma mais humana. O perdão verdadeiro é doloroso, mas é vital. Porque o perdão real não é esquecido nas brigas futuras, nos ressentimentos futuros. Para mim, o verdadeiro só é assim se for permanente. Se for forte o suficiente para não ser deixado de lado. Não é instantâneo e demora para acontecer.
De certa maneira, eu acredito que ele não traz junto a confiança. Essa, pra mim, é como vidro ou como cristal: uma vez quebrada, ficam em tantos estilhaços que é quase impossível recriar. Não vou ser hipócrita e dizer que não desejei pequenas vinganças, mas essa deve ser a primeira fase da incubadora dos perdões: a raiva.
A minha primeira resolução de ano novo – e a mais secreta – foi aprender a perdoar de verdade. Porque minha avó, conhecedora dos sentimentos mais puros deste mundo cão, certa vez me disse algo que faz todo o sentido: “quem não perdoa, pequena, fica amargo e cansado”. É um exercício diário para mim, e espero que eu consiga terminar meu ano dizendo que deixei as mágoas para trás, e que levo de 2009 os frutos deste exercício: paciência e percepção.
Estamos no fim de janeiro, mas ainda está em tempo: que todos nós, em 2009 e sempre, possamos saber perdoar sinceramente e deixar nossos ressentimentos para trás. Sem fantasmas, apenas anjos da guarda, aqueles nascidos na lucidez da absolvição dos que também são como nós: humanos. E por isso mesmo, também falhos.
Penélope.
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