
Pelo visto, está na moda falar de doença. Estranho o súbito interesse das pessoas por isso. Tem gente até abrindo tópico para isso em comunidades do Orkut. Beleza. Falemos de tumores. Eu já estive lá, justamente por isso, me permito fazer uma “abordagem cordial” do assunto, como diria Rafael Pilha. Mensagens de fé, pensamento positivo e orações deixo para depois, meu enfoque vai ser outro.
Ficar doente é uma merda. Ter um tumor é uma merda. Você sente sua energia acabando. Você sente que tem algo muito errado com seu organismo. Não importa o tipo nem a localização, é uma merda. Mas, como tudo na vida, pode ter um lado bom.
Pessoas espiritualizadas e bem resolvidas tiram coisas boas como, por exemplo,“aproveitar melhor cada dia da sua vida” ou ainda “não se aborrecer por pequenas coisas” ou então “dar valor às pessoas que amamos”, etc etc. Não estou desvalorizando essas lições. Muito pelo contrário, acho bacana. Mas quero mostrar o lado B. O lado de quem não tem Jesus no coração, como esta mercenária que vos fala, que além de aprender essas lições citadas acima, ainda tirou um proveito extra da situação. O lado que ninguém comenta, porque é politicamente incorreto.
Quando você fala a palavra TUMOR, seu interlocutor geralmente inclina o pescoço para o lado, num gesto de pena, geme (ohhhhnnnn) e te fala palavras de consolo. TUMOR é uma palavra forte. Pode te deprimir ou abrir muitas portas. O tratamento dado a uma pessoa que proclama em alto e bom som “Tive um TUMOR” é diferente, é quase que inevitável. Usar isso para se vitimizar é um saco. Mas usado para obter benefícios pessoais, é um greencard social. Porque não? Sofremos bastante, acho que temos direitoa essas transgressões.
Primeira coisa: tem que acabar com essa cultura esforçada de querer trabalhar doente. Você tem um tumor? Ótimo. FIQUE EM CASA. Fique em casa RECEBENDO. Veja programas de fofoca, jogue vídeo-game, durma o dia todo, faça qualquer coisa, mas não volte para o trabalho. Pode ser que, em certo ponto, vai dê uma vontadede voltar a trabalhar. Peça a alguma pessoa próxima que TE SEGURE. NÃO VOLTE. Não volte a menos que seja indispensável! (na iniciativa privada, não são muito compreensivos). Esse sentimento cidadão de querer ser útil novamente se converte em arrependimento mortal depois do primeiro aborrecimento no trabalho. Curta suas férias forçadas. E se puder, estique-as ainda mais do que o necessário, você teve um tumor, você tem o direito de criar compensações.
Uma pessoa convalescente pode tudo. Ninguém vai contrariar uma pessoa em recuperação, as pessoas sentem pena. Não importa quão sem razão você esteja, a sociedade vai ficar do seu lado. É assim com os deficientes! Experimente bater boca com um deficiente! O cadeirante pode estar cuspindo na sua cara, não importa o quanto você está certa, sempre vem uma idosa e diz “Que horror, brigando com esse pobre menino portador de necessidades especiais, como tem gente ruim no mundo...”.Quando eu estava convalescente, vivia mostrando meus pontos para todo mundo para conseguir o que queria. E conseguia. Já que vão sentir pena, vou fazê-los escravos da própria pena. Pessoas são sádicas. Adoram ver pontos.
Escapei de uma surra quando estava recém operada. Uma semana antes de operar, um professor meu, comprometido, tinha marcado uma escapadinha comigo. A informação vazou (talvez porque ele sempre me dava carona e tenha marcado o encontro nos corredores do curso, um completo irresponsável). Quando voltei da cirurgia, estava comprando um café na cantina do curso, quando chega uma criatura, que acredito ser a digníssima chifruda, bate no meu ombro e fala “Você é a Sally?”. Ao que respondi afirmativamente, ela diz “Você pode me responder se tem algo como Fulando?”. Disse que não ia responder e que minha vida pessoal não interessava a ela. A chifruda se aborreceu e a coisa começou a sair do controle. Ela disse que sempre via ele comigo de “papinho” e senti que a coisa ia feder. Coloquei minha mão no ombro dela e disse “Vou te contar, mas, por favor,não comente com ninguém, ok?” (impressionante como o olho de mulher brilha quando escuta isso, ela se sentiu especial, tenho certeza!). Respirei fundo e usei meu greencard social: “Sabe o que é? EU TIVE UM TUMOR”. O golpe de misericórdia foi levantar a camisa e mostrar os mais de 250 pontos de cabo a rabo na minha barriguinha. Foi automático. A chifruda inclinou o pescoço para o lado, fez“ohhhhhnn” e me olhou com aquela cara de pena.
Expliquei que por causa do TUMOR perdi muitas aulas, e o Fulano, “muito gentil”(na cabeça dela, COM PENA) me deu uma grande ajuda, me passou as aulas dele e até me deu uma carona uma vez. Ela se desculpou muito, muito mesmo. Até hoje me olha com cara de pena. Aparentemente, quem tem um tumor, ou tem tudo perdoado, ou fica inofensivo.
“Mas que horror, usar uma doença em proveito próprio!”. É. Não é bonito, mas é legal. E ficar doente é muito ruim. Me dou ao direito de transgredir. Trollagem na vida real me diverte. É inevitável que as pessoas sintam penade você, então, que tal debochar dessa pena? Foi uma forma que encontreide compensar todo o sofrimento e mal estar. Repito sem dó: tirem proveitoda pena alheia!
Não se trata de “querer se dar bem”. Não fraudei o INSS, não embolsei dinheiro,não menti, não fiz chantagem para que namorado meu continue comigo porque eu estava doente. Percebem a diferença? Apenas joguei com a pena das pessoas a meu favor. Se você está doente, faça o mesmo. Juro que eu não queria despertar pena, mas já que isso parece inevitável, porque não reverter a seu favor?
Um comentário curioso: outro dia li que uma pessoa estava se fazendo de fortona, dizendo, com o maior orgulho, que nunca usou a doença para desculpar nada. Quanto mais a pessoa tira onda, mais eu desconfio. Essas pessoas fortonas são aquelas que fazem chantagem com amigos e namorados quando o caldo entorna. Bravatear em condições normais é fácil, mas quando a porca (sem trocadilhos) torce o rabo, o discurso muda nos bastidores. Ah... os valentes de Orkut. Eles me divertem. Eles acham que as pessoas compram o discurso só porque não os contrariam. Mas tudo bem, sempre tem um chinelo velho para um pé cansado. Tem mais é que ficar com uma pessoa que quando a porca (novamente, sem trocadilhos) torce o rabo diz, entre lágrimas, “foram os remédios que me fizeram agir assim”. Deus me livre de gente assim... seria como namorar o Heny Sobel ou o Ronaldo Esper, também adeptos desse argumento. Hahahaha... desculpem, hoje estou com a macaca...
Sally
Eu já furei algumas filas e estou me acostumando com a idéia das férias forçadas... até porque, eu trabalho com iniciativa privada.
ResponderExcluirGostei do post. Honesto!
ResponderExcluirZin