Minha primeira relação com a morte foi aos 5 anos, perdi um tio querido, era o único que eu, no ápice dos cinco anos, gostava (ao menos é o que dizem, não lembro dele bem o suficiente). Todo mundo estava extremamente triste e eu não entendia o porquê, ele só estava deitado em um caixão, inofensivo, dormindo, ok, estava com a cabeça toda enfaixada, mas parecia tranqüilo. Foi suicídio. Eu senti falta dele acordado me fazendo cócegas, e isso é tudo que eu lembro.
Pouco depois a Nona morreu (sim, família italiana), eu só soube disso, não senti falta alguma, mas todos estavam tristes. Pouco tive contato com a Nona.
Anos depois, o noivo de uma prima (10 anos de namoro!) morreu em um acidente de carro (eita azar hein?! Bem no ano em que finalmente casariam). Era minha prima preferida, e vê-la abalada daquele jeito me fez pensar sobre essa dor que mexia tanto com todos. Ela ainda não superou.
Pouco depois a Nona morreu (sim, família italiana), eu só soube disso, não senti falta alguma, mas todos estavam tristes. Pouco tive contato com a Nona.
Anos depois, o noivo de uma prima (10 anos de namoro!) morreu em um acidente de carro (eita azar hein?! Bem no ano em que finalmente casariam). Era minha prima preferida, e vê-la abalada daquele jeito me fez pensar sobre essa dor que mexia tanto com todos. Ela ainda não superou.
Depois disso, pouco ou nenhum “contato” tive com a morte. Até que...
Bem, eu morei a vida toda com meu pai, mas minha mãe, mesmo morando em outro estado, era muito presente, mais do que muitas mães que conheci. E foi com 12 anos, que eu finalmente estava morando com ela. Só nós duas. Minhas irmãs mais velhas continuavam com meu pai. Eu era a caçula e era bajulada como tal. Era perfeito, toda a atenção dela era minha.
Um dia, do nada, ela começou a falar que eu deveria aprender a me virar sozinha, ser mais responsável. Aprender coisas como cozinhar e limpar casa. Quando perguntei por que, ela disse “Sei lá, vai que acontece algo comigo, você tem que voltar a morar com seu pai e ficar à mercê de empregadas. Ninguém vai se importar o suficiente com o que você precisa, é bom que você saiba se virar”, eu imediatamente descartei a hipótese dizendo “não vai acontecer nada contigo, mãe”.
Eu viajava sozinha praticamente todo final de semana para ficar com meu pai. Era uma coisa normal. As férias chegaram e ficou mais normal ainda, só que dessa vez eu iria ver meu pai e depois passar uma semana com minha madrinha. Ainda assim, nada demais. Mas minha mãe estava diferente. Na hora que eu estava saindo, de malas prontas, ela me interrompeu, pegou um terço que ela não tirava da bolsa por nada e me entregou, pediu para que eu levasse. Achei estranho, mas fiquei com ele. Quando estava prestes a entrar no ônibus, ela me ligou pedindo para que eu voltasse: “você não gosta do cheiro do ônibus, volta para casa, você vai depois”, como a passagem já estava comprada, as malas prontas e era algo tão comum, ignorei e só disse que não precisava. Ai se eu pudesse voltar no tempo...
Fui passar as férias na casa da minha madrinha, me divertia bastante lá. Mas um dia senti algo diferente, uma sensação ruim, não chegava a ser tristeza, era mais parecido com desespero. Nesse mesmo dia vi minha madrinha desligar o telefone atordoada. Ninguém me disse nada, mas eu sabia que algo tinha acontecido.
Na manhã seguinte, meu padrinho me disse que minha irmã havia ligado e pedido para que eu voltasse para casa, minha mãe tinha passado mal e estava no hospital. Era mentira.
Eu não conseguia comer, não conseguia conversar, só conseguia chorar. Eu SABIA que não era só isso.
No caminho de volta para casa paramos em uma cidade, e, apesar de todos os esforços de minha madrinha e dos meus primos, eu não saí do carro. Parecia que tudo iria piorar se eu saísse; no fundo eu queria acreditar que minha mãe realmente tinha passado mal e estava em um hospital, que eu poderia vê-la, ela melhoraria e tudo voltaria ao normal. Esse restinho de esperança acabou quando avistei meu pai se aproximando do carro. Afinal, o que ele estaria fazendo naquela cidade? Minha madrinha entrou rapidamente no carro e falou com voz chorosa “querida, sua mãe morreu”.
Sabem aquela expressão “perdi meu chão”? Foi exatamente o que aconteceu, eu perdi meu chão, tudo ficou escuro, eu não consegui sair do carro, caí. Meu pai me abraçou e só consegui dizer “Como ela morreu, pai?” “Afogada”, fiquei em estado de choque.
Eu sentia ódio de todos que estavam ali, queria matar um a um, não suportava que chegassem perto me dizendo que ela estava em um lugar melhor, mas eu ficava imóvel, era a melhor forma de reagir. Eu sentia medo, o que eu faria sem ela? Eu me sentia injustiçada, porque justo a MINHA mãe? Odiei Deus.
Afogada! Como a maioria das pessoas, ela sempre dizia: “Eu posso morrer de qualquer jeito, menos afogada e queimada”. Quanta sacanagem! Ela era tão nova, tão linda, tão altruísta. Porque ela? Isso deveria acontecer com pessoas ruins.
Não me lembro como foi o caminho para casa, o que as pessoas me diziam ou o se algo relevante aconteceu. Eu estava só com minhas lembranças, muitas delas.
***
7 anos - “Mãe, estou com dor de ouvido” *ela atrasada precisando voltar para sua cidade* “Está mesmo?” “Sim” “Vou pegar o remédio então, mas se você não estiver com dor de ouvido, ele vai começar a doer quando eu colocar o remédio” “Deixa pra lá, nem ta doendo tanto assim” *ela rindo da minha necessidade de atenção*.
8 anos - *meu aniversário* “Para quem vai o primeiro pedaço de bolo?” “Mamãe”.
10 anos – “Mas mãe, todas as minhas amigas vão! Deixa, deixa, deixa!” “Só se eu falar com a mãe de cada uma antes” *voz brava ao telefone*.
13 anos – “Tem certeza que não prefere ir amanhã?” “Tenho, vou hoje porque fico mais tempo com papai” “Tudo bem, se cuida direitinho” “Pode deixar” “Te amo mãe” *entrando no carro* “Também te amo... muito!” *acenando na saída do condomínio - última vez que a vi*.
Minutos antes - “Querida, sua mãe morreu”. SUA mãe morreu, sua MÃE morreu, sua mãe MORREU...
***
Acho que lembrei de cada risada, de cada bronca, de cada abraço, de tudo, nesse tempo que fiquei inerte. Finalmente entendi a dor de todos aqueles supracitados, entendi que essa é a pior dor que alguém pode sentir, entendi que, infelizmente, ela nunca passa.
Mamãe estava certa, eu careci de atenção ao voltar a morar com meu pai, ele não sabia como cuidar de nós sem ela para auxiliar, passei de criança mimada a adolescente revoltada, demorei até assimilar tudo que havia acontecido. Fui perdendo outras pessoas queridas aos poucos, fui obrigada a amadurecer.
Nunca achei que uma mãe deve enterrar um filho, parte de mim é até contente por minha mãe não ter passado por isso, dizem que a dor é muito maior, nem consigo imaginar; mas também não acho que um filho deve perder a mãe tão cedo, é injusto crescer assim.
Queria ter voltado quando ela pediu, queria ter esperado mais um dia! Provavelmente não teria mudado nada, mas seria um dia a mais com ela. E um dia é muita coisa quando se passa todos os dias da sua vida desejando ter pelo menos mais 5 minutos daquele abraço novamente.
Ela morreu em um 26 de janeiro, e, desde então, odeio janeiros. Irei ao cemitério hoje, vou levar flores, como sempre, e um cartão dizendo:
É, mãe, eu nunca vou conseguir dizer-te adeus.
Ela nunca saberá.

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dramaqueen@corporativismofeminino.com
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